Numas dessas conversas bobas de café Delisyé com meus confraires, me vi como um objeto de estudo deles. Pierre Cardin levantou a discussão a partir de um comentário meu sobre os filmes de Stanley Kubrick acompanhado com uma cara de nojo dos outros desocupados da mesa. Marius Danglars resmungou que sempre foi assim, enquanto eles falavam das moças do Parque de Luxemburgo, descrevendo o movimento de suas silhuetas, eu viajava na beleza inocente e em preto e branco de Lolita. Eu realmente não entendo! Os anos 60 são anos dourados. A década de ouro começou com a Primavera de Budapest e o cinema moderno, terminando com a invasão dos estudantes à faculdade de Sorbonne em Maio de 68. Pra mim não existe nada desse tipo nos dias hoje!
Mas aí depois de outras mesas mais solitárias que a última e goles de cafés mais amargos, veio na minha cabeça que nenhuma revolução imitou o passado. A Revolução Francesa não teve precedentes históricos, a Revolta dos Cravos, em Portugal, levou o povo de volta ao poder depois da ditadura como nunca antes. Tudo que é reacionário um dia foi revolucionário e me vi como um revolucionário do passado, ou seja, um reacionário. Enquanto eu desejava demais viver em um tempo passado não conseguia perceber que o meu tempo passava, quis viver o que já foi escrito, quis lutar pelo que já foi vencido. Viver no passado talvez seja uma fuga do terror que é o futuro. Senti que o mundo com um monte de saudosistas como eu, seria um mundo miserável, sem olhar pra frente. Tudo que eu admirava era a vanguarda e eu era totalmente o contrário.
Paguei a conta do Café, atravessei o Rio Sena pela ponte Saint-Michel encarando face-a-face Notre-Dame. A visão da catedral me fez lembrar do corso sujo do Napoleão. O quanto ele se inspirou em Paoli pra criar um império no meio de uma revolução burguesa. A Bossa do Brésil conheceu o samba e o jazz pra fazer um tipo de som novo que mudou o rumo da música daquele país. E até rupturas mais violentas como o surrealismo de Dali precisava experimentar e se envolver com o passado pra rejeitá-lo. A vanguarda sem um pingo de inspiração no passado é morta e o saudosismo de costas para o futuro é inútil.