Acho que o All Star foi a melhor
coisa que já coloquei nos pés um dia. Não comecei a usá-lo quando criancinha,
na verdade, eu já era adolescente quando comprei o meu primeiro. Azul, cadarços
brancos, cano curto, tamanho 42 eu acho. No começo, era fanatismo mesmo. Eu
usava os meus em todo lugar, ficava horas vasculhando o site do fabricante,
pesquisando a história do modelo, aprendendo a fazer diversas tranças e
amarrações. Eu só falava em All Star. Minha família e parte dos meus amigos
cansaram de mim por um tempo nessa época. Quando eu saía à rua, eu via todos os
All Stars possíveis e os contava. Por cor. Descobri que todos os filmes que
existem sobre a face da Terra têm alguém usando um par desses tênis. Grande
parte dos meus amigos tinha um, era quase uma irmandade. Pra mim, todas as
pessoas legais do mundo usavam All Star, todos os Vj’s da Mtv usam, todos os
grandes astros do rock sempre usaram. Quem é que abre o clip “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana? Certa
vez, depois de dez anos sem contato nenhum, reencontrei a primeira menina que
gostei na vida. Foi na minha turma do 2°colegial, primeiro dia de aula. Uma das
primeiras coisas que falei foi sobre o All Star vermelho que ela usava na
primeira série. Ela ficou vermelha também. Ainda tenho um preto de cano alto que
já foi todo riscado com refrões de rock do tipo: “nós não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir”. É,
durante um bom e fútil tempo da minha adolescência eu acreditei que não
precisaria calçar mais nada na vida. Aos 13 anos, tinha encontrado algo exato
pra mim, algo que me deixava plenamente satisfeito. Nenhum outro calçado combinava
tanto comigo e nem poderia ser tão bonito, versátil e agradável de usar.
Acho que os amores
platônicos são muito assim também. Sei lá, parece que um dia se encontra
a pessoa mais perfeita do mundo, milimetricamente feita pra você, mais cheia de
defeitos suportavelmente adoráveis. Parece que os outros seres humanos são só
seres humanos quando comparados a todo encanto sobrenatural que envolve a
pessoa amada. Essa pessoa está em cada música, em cada livro, em cada esquina e
em tudo que há de mais belo na vida. O mundo gira em torno desse alguém.
“Eterno amor” e “razão do meu viver” são clichês de espécie básica. A
característica mais marcante do amor platônico é a idealização do sentimento
sendo correspondido e manifestado pelo outro, o que de fato não pode acontecer
num amor platônico, pois ele é plenamente ideal, não pode se manifestar no
mundo concreto. Sendo correspondido, ele perde sua essência. Mas o amor não
precisa necessariamente ser correspondido para que seja legítimo. Precisa? Na
verdade, o outro nem precisa saber da existência do amante. Ele se satisfaz só
por estar amando.
Sei que existem incontáveis modelos
de tênis mais confortáveis, mais resistentes e mais úteis que o All Star. Hoje
ele já não combina com todas as roupas que uso e preciso usar. Não tenho nem um
pouco daquela obsessão juvenil materialista. Mas, sabe, eu ainda adoro esses
tênis. Porque, por mais que eu passe um bom tempo sem usá-los; por mais que a “teenager obsession” já tenha ficado
para trás; por mais chato que seja vê-los sendo desgastados em outros pés que
não os meus; por mais que não continuem sendo os meus favoritos, eu sempre vou
ter lembranças especiais e significativas quando encontrar um andando por aí. Ao
amor platônico servem esses mesmos exemplos, porque, da mesma maneira, depois
de um tempo as coisas quase sempre passam a ser analisadas com frieza racional.
Acaba se descobrindo que aquela pessoa não era a mais bonita, a mais perfeita e
muito menos o último ser humano do planeta. Esse amor platônico deixa de ser um
conflito e passa a ser uma lembrança patética. Talvez até engraçada, mas sempre
significativa. Porque algumas pessoas são únicas.
Ou não.
Jehiel Casaes